Padre boicota entrevista para o Fantástico e o clima fica tenso; assista

O Fantástico procurou a direção dos Arautos do Evangelho para saber o que o grupo tem a dizer sobre as novas denúncias. O Fantástico foi recebido na tarde de sábado (26/10), numa igreja lotada de fiéis, dentro do castelo em Caieiras, na Grande São Paulo.

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O representante dos Arautos, padre Alex Brito, não quis ouvir as perguntas e exigiu que a gente gravasse com irmãs que não foram citadas nesta reportagem e não são objeto de nenhuma das novas denúncias. Por esse motivo, não foram ouvidas também para não expô-las. A produção insistiu por mais de dez minutos, mas o padre Alex não quis dar entrevista. Na saída, a equipe foi hostilizada e xingada.
 

 Assista ao vídeo

“Lixo! Fora daqui seu lixo!”
“Discriminação religiosa”
Um homem chegou a dar um soco no carro da reportagem.
“Estão nos caluniando. Não têm direito a fazer isso”.

Na entrevista que foi ar no Fantástico no dia 20, o padre Alex disse que as denúncias são fruto de perseguição.
“Nós estamos diante de uma situação, de uma campanha de difamação da instituição feita por desafetos da instituição, desafetos da igreja em geral, uma campanha de perseguição religiosa onde a igreja católica está em foco e a instituição em particular”.
 

Entenda o caso

 
Segundo reportagem do Fantástico da TV Globo, Fundador do Arautos do Evangelho dá tapas em jovens.
 
Após a reportagem feita pelo Fantástico no dia 20/10, surgiram novas denúncias contra o grupo católico Arautos do Evangelho. No dia 20, o programa mostrou que o grupo é acusado de abuso sexual e maus tratos contra jovens seguidores.
 
O primeiro vídeo mostra uma cerimônia de crisma dos Arautos do Evangelho. Quem celebra o sacramento é o fundador dos arautos, o monsenhor João Clá. “Recebe, por este sinal, o Espírito Santo em nome de Deus. A paz esteja contigo”. Depois da benção, ele dá um tapa no rosto dos jovens.
O Fantástico recebeu três vídeos diferentes dessa mesma cerimônia. Foi uma cena dessas que revoltou uma mãe. Ela ficou indignada quando assistiu ao crisma da filha:
“Quando chegou na hora da minha filha, que deu um tapa na cara dela, eu levantei e falei ‘O que é que é isso? Que horror! Que absurdo!’, logo em seguida vêm as irmãs e tentaram me explicar o que é que era aquele tapa. Eu falei: ‘eu fui crismada e não tomei tapa na cara’. ‘Não, mas isso é uma celebração, isso está na Bíblia’ e eu falei ‘não está’. Na saída, ainda estavam as marcas da mão dele no rosto dela”.
As duas filhas adolescentes dela ficaram dois anos morando no internato dos Arautos, na grande São Paulo.
Um desembargador esclarece: ainda que faça parte de um ritual religioso, esse tapa é uma agressão que viola o Estatuto da Criança e do Adolescente.
“Criança e adolescente não pode ser vítima de situação de humilhação, de castigo, de violência, nada disso. A religião é uma questão de bom senso e não de violência ou de sofrimento”, afirma Eduardo Gouvêa, coordenador da Vara da Infância e Juventude do Tribunal de Justiça de SP.
A mãe conta que já estranhava o comportamento das filhas — que se afastaram da família quando entraram para o grupo. Depois daquele tapa, ela decidiu tirar as meninas de lá.
“Elas se revoltaram, só choravam. Aí foi aonde eu procurei ajuda psiquiátrica”, conta a mãe.
As adolescentes fizeram tratamento durante dois anos.
“A psiquiatra a primeira vez ela falou: ‘bom, eu vou falar o que vai acontecer com suas filhas a partir de agora. É como se tivesse tirado dois drogados da Cracolândia. Elas estão viciadas naquilo. As cabeças delas estão doentes”.
No dia 20, o Fantástico mostrou que o Ministério Público de São Paulo investiga a organização católica por denúncias de alienação parental, abuso sexual, racismo e maus tratos. Esta semana, foi criado um grupo com oito promotores para ampliar a investigação.
“Daqui para a frente, nós estamos colhendo provas. Se a população tiver algum indício, alguma prova que envolva esse grupo religioso, que procure o promotor de Justiça da sua comarca”, Mário Luiz Sarrubbo, subprocurador-geral de Políticas Criminais do Ministério Público de SP.
O Conselho Estadual de Direitos Humanos de São Paulo, que acompanha o caso desde junho, recebeu dez novas denúncias depois da reportagem.
“O Condepe reuniu uma série de provas e testemunhos, depoimentos que atestam a existência de muitos e graves crimes praticados pelos arautos do evangelho”, explica Dimitri Sales, presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos de SP.
Um ex-arauto entrevistado pelo Fantástico diz que sofreu vários castigos quando morou num colégio do grupo. Ele tinha 13 anos.
"Eu era muito punido por não gostar de querer rezar o tempo todo”.
Ele conta que, junto com um colega, chegou a ser obrigado a dormir no chão, no inverno:
“Estava muito gelado o chão e acredito que foi por causa disso que a gente pegou pneumonia”.
Os Arautos do Evangelho surgiram em 1999. A organização diz que tem 15 colégios no Brasil, com cerca de 700 alunos. Em 2001, os Arautos foram reconhecidos pelo Vaticano como associação religiosa. Eles costumam fazer visitas em escolas públicas e em catequeses de igrejas para convidar os jovens a fazer parte do grupo.
Mas a Diocese de Ituiutaba, no interior de Minas Gerais, divulgou um comunicado em que diz que "não recomenda a adesão dos fiéis católicos" aos arautos. E diz que os arautos não têm a autorização da diocese para atividade religiosa na cidade: "agem de má fé, induzindo as pessoas de boa fé ao engano e à dúvida".
Um ex-interno, que falou ao Fantástico, fez parte do grupo por 14 anos. Ele contou que aos 17 anos foi convencido a abandonar o colégio e ir para a rua arrecadar dinheiro para os arautos:
“A gente usava de uma extorsão praticamente. A gente ia lá com valores pré-estabelecidos para pedir. A gente forçava a pessoa a doar. Existem várias táticas. Onde que a gente pudesse colocar uma dor na consciência da pessoa que tivesse doando, dizendo para a pessoa: ‘olha, certamente você está precisando de alguma graça. Deus está esperando você dar essa doação para que você consiga essa graça”.
Em uma gravação que, segundo ex-arautos, é do fundador do grupo, João Clá orienta os arrecadadores:
“Nossa senhora quer de cada um o quê? Que conquiste dinheiro, que faça um apostolado. Quanto mais melhor. Os senhores estão mais do que conquistando dinheiro, os senhores estarão adquirindo méritos pessoais. A partir do momento que coletou donativos, liga-se algo no céu imediatamente. E aquele vai receber graça da coleta de donativo”.
“Eu fiquei com depressão. Havia uma competitividade muito grande, muito acirrada entre os coletores de doação. Semanalmente nós recebíamos uma gravação desses padres e eles humilhavam aqueles que não tinham um bom resultado”, afirma um ex-arauto.
O Fantástico teve acesso com exclusividade a novos trechos de vídeos de reuniões internas dos Arautos. Neles, são apresentados depoimentos de sessões de exorcismo ao fundador, João Clá. Essas imagens foram enviadas ao Vaticano, que determinou uma intervenção no grupo. No vídeo, um arauto relata um exorcismo -- e o nome do Papa Francisco, Jorge Bergoglio, é citado. João Clá está sentado na sala. Há mais de dez anos, ele sofreu um AVC e fala com dificuldade.
Em um dos vídeos, um arauto fala para João Clá e uma plateia:
“À tarde, no exorcismo da outra pessoa, da segunda, foi perguntado ao demônio se o Bergoglio ia morrer, quando ele ia morrer?
Ele disse: "Vai morrer, está chegando".
- E quando vai ser?
- Isso eu não posso falar, mas vai ser uma morte horrível.
-É tremenda, viu?
E aí foi dito então vamos rezar (inaudível), dar três maldições em nome do monsenhor João para que apresse a morte dele”.
- (demônio) “Não, não, ele é meu amigo, ele é meu amigo”.
A mãe que tirou as filhas da escola agora ajuda outras famílias:
“A gente quer salvar aquelas crianças”
“Nós continuamente éramos levados a pensar que nós éramos maus por natureza. E que nós tínhamos que renunciar a si mesmo e nos entregar nas mãos deles”, conta um ex-arauto.
Hoje cedo, o Fantástico voltou a entrar em contato com o padre Alex Brito, e pediu novamente um posicionamento dos Arautos do Evangelho sobre as denúncias reveladas nesta reportagem. O padre disse que as irmãs que não tinham sido entrevistadas no dia anterior falariam oficialmente pela instituição.
O Fantástico se dispôs a ouvi-las e ofereceu várias opções para que a entrevista fosse realizada, garantindo ampla oportunidade de defesa. Mas, por questão de segurança, e diante do risco à integridade física da nossa equipe, explicamos que a nova gravação não poderia ser feita na basílica dos arautos, em Caieiras.
Os Arautos do Evangelho decidiram, por fim, mandar uma nota, em que que se limitaram a atacar a TV Globo, acusando a emissora de intolerância religiosa. E não se pronunciaram sobre os relatos apresentados nesta reportagem. A TV Globo reitera que respeita todas as religiões e que apenas cumpriu o seu dever de informar sobre as denúncias que existem contra os Arautos do Evangelho.

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