Suicídios de policiais e agentes batem recorde com 31 casos em Minas Gerais

Foi como professor de história, em 2013, que Marcos Pinheiro, 31, decidiu se tornar agente socioeducativo. Parecia uma boa causa trabalhar em projetos de ajuda a adolescentes em processo de ressocialização. Mas, cinco anos depois, após mergulhar em um estágio avançado de depressão, Pinheiro tentou suicídio em uma transmissão ao vivo na internet. Foi salvo por policiais que chegaram a tempo de socorrê-lo.

  A matéria continua após a publicidade

Entre os motivos da decisão, conta ele, estava o inconformismo com a precariedade que ele enfrentava no ambiente de trabalho: “Estava desesperado e queria que meus amigos entendessem o que eu estava passando”.
Pinheiro é um entre os cerca de 800 profissionais da segurança pública em Minas que afirmaram à ONG Defesa Social terem sido afastados do trabalho, ao longo do ano passado, por algum tipo de transtorno mental resultante da atividade.
As estatísticas da ONG, que atua em ações de segurança pública e inclusão social, são alarmantes: nos oito meses deste ano, já são 31 profissionais de segurança pública – policiais civis e militares e agentes penitenciários e socioeducativos – mortos por suicídio. Número que supera, e muito, os oito casos registrados entre 2015 e 2018.
Somente no último mês, cerca de 400 agentes foram afastados, de acordo com o levantamento da ONG. Entre as principais causas apontadas pelos 2.618 profissionais ouvidos pela entidade estão a falta de valorização e reconhecimento, a alta carga de trabalho e os baixos salários.
O governo não reconhece os números, mas admite o problema. “O Estado, por meio da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) e das forças de segurança, garante o acompanhamento periódico da saúde de todos seus agentes e reitera que está trabalhando na melhoria das condições dessa assistência e também das condições de trabalho em geral dos profissionais”, respondeu, em nota. A pasta não revela suas estatísticas.
[caption id="attachment_45805" align="alignnone" width="930"]Ação em Brumadinho desencadeou muitos casos de depressão Foto: Uarlen Valério - 25.1.2019 Ação em Brumadinho desencadeou muitos casos de depressão
Foto: Uarlen Valério - 25.1.2019[/caption]
No dia 18 de agosto, um policial militar de 28 anos se matou. “Foram nove anos na Polícia Militar e vos digo, caros amigos: ‘cuidem-se’! A polícia é superestressante e pode ser fatal”, escreveu ele numa rede social.
“A questão da saúde desses servidores precisa ser vista. Eles socorrem a sociedade, mas, neste momento, são 120 mil pessoas pedindo socorro para a sociedade”, denuncia o presidente da ONG Defesa Social, Robert William de Carvalho.
Uma policial civil ouvida pela reportagem, sob a condição de anonimato, afirmou que adoeceu no trabalho. “Fui diagnosticada com depressão. Somos humilhados o tempo todo. O assédio moral é rotina. Nos sentimos bem em ajudar a diminuir a violência, mas nos encontramos nessa situação”, contou.
Tragédia foi gatilho para a depressão
Para o presidente da ONG Defesa Social, Robert William de Carvalho, ocorrências intensas, de grandes tragédias, como foi o caso do rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, em janeiro deste ano, contribuíram para o aumento dos índices de depressão entre os profissionais.
Somente no hospital da Polícia Civil são 260 atendimentos na ala psiquiátrica mensalmente. “Os bombeiros tiveram todo o reconhecimento, mas e a Polícia Civil? Só no Instituto Médico-Legal (IML), 80 profissionais trabalharam na necropsia e na liberação dos corpos de forma ágil. Alguns trabalharam mais de 30 horas seguidas. Imagina o psicológico dessas pessoas”, afirma o presidente da ONG.
Ainda segundo Carvalho, profissionais da região metropolitana que notificaram os casos de transtorno mental na pesquisa disseram que a situação ficou mais complicada a partir do rompimento.
Especialista alerta para más condições
Para o psiquiatra Aloísio Andrade, o clima de trabalho dos agentes de segurança é a principal causa dos transtornos mentais. “Eles são sobrecarregados tanto pela insuficiência de pessoal quanto pelas características de risco, associadas à convivência com pessoas de alta periculosidade. O ambiente de trabalho é, em geral, insalubre, e o clima sempre pesado e tenso, além de as condições serem precárias. O desenvolvimento de quadros depressivos e de ideias suicidas é só uma questão de tempo”, afirmou.
Pouco efetivo potencializa risco
Para representantes dos agentes de segurança, os transtornos mentais são potencializados principalmente pela falta de efetivo. Policiais civis, militares e agentes penitenciários e socioeducativos afirmam que as corporações têm operado com a quantidade de pessoal abaixo do recomendado.
A reportagem pediu ao Estado os números de servidores da área, mas foi informada de que os dados só seriam repassados por cada um dos órgãos. A Polícia Militar afirma ter um efetivo de 40 mil homens, enquanto a Polícia Civil não revela os números de seu quadro de pessoal.
Segundo o presidente dos Agentes de Segurança Penitenciária de Minas Gerais, Adeilton de Souza Rocha, a quantidade de agentes caiu de 19 mil para 16,7 mil em dois anos. “São muitos agentes com distúrbios psicológicos. Cresceu a população carcerária, e caiu o número de agentes”, afirmou.
Já Heder Martins de Oliveira, presidente da Associação dos Praças Policiais e Bombeiros Militares de Minas (AspraPMBM), disse que o efetivo na PM deveria ser de 50 mil. “É efetivo do ano de 1990. Os policiais vão para o enfrentamento e não encontram respaldo”, afirmou.
A reportagem questionou se o governo do Estado gostaria de se posicionar sobre as denúncias, mas não obteve retorno. (MN/Tatiana Lagôa)
Aplicativo
Centuryon. A ONG Defesa Social lançou o aplicativo Centuryon. Nele os agentes podem pedir socorro, fazer terapia online, denúncias e ver casos de quem venceu a depressão.

Siga o canal do Destak News e receba as principais notícias no seu Whatsapp!