Artistas e intelectuais falam da importância de 'Sobrevivendo no Inferno', dos Racionais MC's

Vinte anos após o lançamento de Sobrevivendo no Inferno, dos Racionais MC's, o álbum foi incluído como leitura obrigatória para o vestibular da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). O disco, que tem músicas como “Diário de um detento” e “Capítulo 4, versículo 3”, faz referências diretas à violência, exclusão, falta de oportunidade e racismo sofridos pela juventude negra e periférica.

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É a primeira vez que um disco é recomendado para a prova. A escolha das 12 faixas do álbum de 1997 para a categoria poesia — ao lado de sonetos de Luís de Camões e de "A Teus Pés, de Ana Cristina Cesar — foi comemorada pelo grupo formado por Mano Brown, Edi Rock e Ice Blue e o DJ KL Jay. “Sobrevivendo no Inferno é um ótimo livro de história”, declarou KL Jay.

Moradora do Complexo do Alemão, na Zona Norte do Rio, a rapper e poeta MC Martina, de 20 anos, conta que as composições dos MC’s foram fundamentais para o processo de escrita das suas rimas.“Cresci ouvindo Racionais na minha vizinhança e nos becos da favela”, afirma a jovem, que é uma das criadoras da primeira batalha de poesia realizada em favela, o Slam Laje.

“Sobrevivendo no Inferno fala muito sobre minha realidade e dia a dia na favela, mesmo que 20 anos depois”, completa Sabrina, que presta vestibular neste ano e diz que os materiais escolares poderiam ter mais rap, mais poesia marginal e MCs nos livros de literatura”.

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Cena do clipe da música 'Diário de Um Detento', que integra o disco 'Sobrevivendo No Inferno' - Divulgação

O escritor Jessé Andarilho lembra que ouviu tanto o CD dos Racionais que ele até furou. “Na favela onde eu morava ninguém conhecia na época. Depois de uns anos tava geral pedindo emprestado”, conta o autor de “Fiel”. “Meu posicionamento político e minha militância pelas favelas começou através da literatura e poesia ritmada. E Racionais é literatura e poesia obrigatória. É um clássico. Deveria ganhar o Jabuti”, declara.

Para o poeta Sérgio Vaz, Sobrevivendo no inferno é uma universidade. “Foi através dele que a juventude negra e periférica se formou. Por causa deste disco muita gente se graduou em auto estima e não entrou para a faculdade do crime”, diz. “Agora é a vez da academia estudar a história de milhões de brasileiros e brasileiras que são tratados de forma nada poética”, dispara.

De acordo com o pesquisador de música e cientista político, Gabriel Gutierrez, o disco alia filosofia, historiografia e crônica. “Eles não estão só denunciando a baixa taxa de cidadania, eles falam de como agir com dignidade”, comenta o acadêmico. “Fazer a denúncia, um monte de grupo de rap faz, mas os Racionais são esse fenômeno de público e reconhecimento."

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Racionais lançou álbum 'Sobrevivendo No Inferno' em 1997 - Divulgação

"Era outro contexto, no Brasil dos anos 90 com desemprego, favelização e gentrificação. Os Racionais são uma resposta a isso, mas com poesia. Uma poesia da rua", que ressalta a música rica do grupo.  “É pensamento com arte, com beat, ritmo e oralidade", conclui.

'Se canto rap e já chego este ano a 30 anos tentando juntar palavras é um tanto dessa força de Racionais Mc', diz Criolo

Para o rapper Criolo, a obra do Racionais MC’s no vestibular da Unicamp representa o “já sabido tardio mesmo assim celebrado reconhecimento da voz da ginga e do entendimento ao redor, relato não frio histórico e real da mentalidade que massacra e exclui no Brasil”.

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O paulistano conta que nestes quase 30 anos de carreira foi influenciado pela obra do grupo. “Seriam horas pra descrever o que é cruzar a cidade com uma mira em sua nuca de quem tem carta branca para a não vida. É o sonho é a dor e o grito é a esperança, se canto rap e já chego este ano a 30 anos tentando juntar palavras para expressar uma singela garatuja do sentir é um tanto dessa força de Racionais Mc”, declara o artista.

Mano Brown e Criolo - Reprodução Instagram

Sobre o rap nas salas de aula e na educação brasileira, o cantor diz que ganham todos quando se percebe uma mão que não tá na boca do barro que sente o peso da pisada vibrar a força de toda uma geração numa nação continente terceiro milênio racismo futurista de modelo antigo que não se assume assim, nem tão católico, não tão saudável, não tão eclético. Elite que do seu jeito cala massacra e morre no desejo de não se aceitar Brasil maioria de pretos, pois índios foram por eles apagados quase todos.

“Ganha todo aquele que compreende diversidade como positivo arte como amplificador e música como resistência que cruzou décadas de diagnóstico como se fôssemos nos apenas objeto de estudo num zoológico ilógico desgosto de pátria racista sei tão sem gritou que tem como que tem jeito mas nas mãos da juventude e tão somente nas mãos da juventude”, completa.

O grupo Racionais MC's - Divulgação

'Todas as letras mostram as formas como as periferias das grandes metrópoles vivem', diz Suplicy

Fã declarado dos Racionais MC’s, o vereador de São Paulo, Eduardo Suplicy acredita que a escolha do álbum é positiva para Unicamp e para os vestibulandos. "Todas as letras do grupo mostram as formas como as periferias das grandes metrópoles vivem, os seus problemas sociais, anseios e a dificuldade para atingir seus objetivos", afirma o político que já viralizou nas redes ao citar a letra de “O homem na estrada” em uma plenária em 2007, quando ainda era senador.

Suplicy conta que conheceu os artistas em meados da década de 90 durante um comício na capital paulista. “O público gritava ‘queremos Racionais’. O que me impressionou é que aquelas 10 mil pessoas conheciam e cantavam todas as músicas, que são relativamente longas, do início ao fim. E a partir daí, eu comecei a ir nos shows”, lembra o vereador, que já foi há mais de 20 shows do grupo.

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